Dona Luba, minha querida professora de geografia, ensinou-me que desde as disputas que envolveram a integração do Amapá, Acre e Roraima, e mesmo após diversas tentativas separatistas regionais, o Brasil conseguiu manter a unificação política de um grande território. Para ser preciso, somos o quinto maior país do mundo, mas estranhamente, não é isso que os mapas-múndi nos mostram. D. Luba estava errada, ou existe algo mal explicado nos livros didáticos da atualidade? Ao abrir um livro de geografia do 1º grau, pegar um atlas ou olhar um mapa na parede, a China parece ter o mesmo tamanho da Groenlândia, mas na realidade a China é quatro vezes maior.
E as discrepâncias continuam: a pequena Europa aparece ocupando uma área maior que toda a América do Sul, mas a área desta última é quase o dobro da área do continente europeu.
Essas distorções devem-se ao fato de que o mapa-múndi mostrado em nossos livros e atlas segue a chamada projeção Mercator, criada ao redor de 1569, por Gerardus Mercator.
Esse mapa foi criado como uma ferramenta para navegação na época em que os impérios europeus dominavam o globo econômica e politicamente através do colonialismo. Seu efeito visual é de aumentar gradativamente a representação do tamanho das regiões próximas aos polos (destacadamente Europa e América do Norte), ao passo que minimiza o tamanho das áreas próximas da linha do Equador.
Durante a época colonial, esses mapas criaram um impacto psicológico que sujeitava as mentes crédulas dos colonizados à submissão, uma vez que relegava a representação das colônias ao segundo plano. Isso ocorreu porque a era das descobertas marítimas e do colonialismo também foi uma era de difusão de uma visão eurocêntrica do globo.
O emprego do mapa Mercator foi muito oportuno nesse sentido, uma vez que nele a Europa aparece artificialmente grande e estrategicamente situada na área central e superior do mapa, o que preenchia os anseios de reconhecimento e respeito buscados pelas potências imperiais.
Apesar de ter sido útil à navegação no passado, o mapa Mercator é inadequado para fins educativos, dado o seu elevado grau de imprecisão.
Inclusive conta-se que o próprio Gerardus Mercator usava em seu trabalho cotidiano mapas com maior fidelidade na representação de área.
Mais surpreendente é que ainda hoje os mapas usados oficialmente no Brasil continuam trazendo essa representação colonial, afinal, mais de 400anos após a criação do mapaMercator, suas distorções e limitações cartográficas são ensinadas e reproduzidas diariamente em nossas escolas. Esse fato revela o descompasso não apenas do ensino de 1º grau, mas da própria visão de mundo da nossa sociedade, construída a partir desse mapa.
Na cartografia existem diversas projeções que superam o problema de representação distorcida da área, e embora nenhuma delas seja totalmente exata, a projeção Peters destaca se por representar os continentes e oceanos de acordo com suas proporções relativas.
Esse mapa foi desenvolvido por Arno Peters, que escreveu uma tese de doutorado sobre propaganda política na Universidade de Berlim.
Peters argumentava que seu mapa, além de restaurar as proporções corretas na representação do globo, poderia servir como um elemento de crítica às práticas neocolonialistas vivas ainda hoje, ao expor as reais dimensões territoriais dos países em desenvolvimento.
Seu mapa seria uma representação justa, honesta e não racista do mundo.
Não se trata aqui de denegrir o mapa Mercator pela sua representação irreal do mundo, uma vez que é um mapa de propósito definido.
Mas cabe-nos compreender que os mapas e outras formas de representação político-espaciais continuam prestando serviço a um olhar hegemônico, e que, partindo-se de uma cartografia mais atualizada, “novas” projeções dos territórios podem ajudar-nos a reavaliar nossa visão do mundo.
Confesso que fiquei muito surpreso quando vi o mapa Peters pela primeira vez, não apenas pela sua precisão provocativa e apelo social, mas também pelo tamanho continental do Brasil e da imensidão africana, terra dos primeiros hominídeos – uma verdadeira Mama África.
Fonte: A Tarde, 20/10/2009
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