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15 setembro 2010

Intensificação do consumo e novos padrões alimentares


*Enio Antunes Rezende

Outro dia eu ouvi em tom de troça, de um amigo estrangeiro que estava em visita à Salvador, que o surgimento de porções e embalagens tamanho extragrande de batatas fritas no Brasil era um sinal da decadência de nossa sociedade.

Seu argumento pareceu hilariante, algo provocador inclusive, mas quando me deparei com alguns dados recentes do IBGE, senti-me instigado. Isto porque na semana passada, divulgaram-se dados que revelam um significativo aumento na taxa de obesidade da população brasileira, inclusive entre as crianças. Também se anunciou que o consumo per capta de feijão decresceu, confirmando uma tendência que já vem se anunciando há algum tempo.

Câmara Cascudo já dizia que, diferente de outros povos com hábitos mais frugais, o brasileiro precisa “encher a barriga” para se sentir saciado. Até aí tudo bem, afinal o arroz, feijão e outros alimentos frescos eram os principais ingredientes dessa receita. Mas quando o consumo de alimentos industrializados com teor alto -ou desbalanceado- de sal, açúcar ou farinha refinados; aditivos químicos e gordura aumentou em nosso prato, o problema da obesidade começou a, literalmente, ganhar espaço em nossa sociedade.

É claro que o estreitamento de nossa base alimentar não é fato novo, pois sua origem remonta a própria invenção da agricultura nos vales da antiga Mesopotâmia. Mas além de trazer importantes conseqüências em termos de saúde pública e segurança alimentar, esse estreitamento tem impactos culturais não negligenciáveis, afinal os hábitos alimentares também são elementos-chave na definição da identidade de um povo.

No caso do aumento da obesidade no Brasil, entendo que as recentes alterações devem-se não apenas aos hábitos alimentares novos, mas a um conjunto de mudanças no comportamento das famílias e dos indivíduos que vivem nas grandes cidades, aliados à difusão de uma ideologia e estilo de vida consumista e autoindulgente em que cadeias de lanchonetes fast food, restaurantes de auto-serviço, redes de supermercado e seus grandes fornecedores acabam por direcionar o menu diário de uma parcela crescente dos brasileiros.

Por outro lado, hoje se facilitou o acesso a determinados alimentos que eram antes negados à maioria, e esse fato passou a ser usado também como forma de expressar uma redefinição identitária para as classes sociais emergentes, agora mais capazes de rivalizar, em termos de consumo comparado de itens selecionados, com as classes B e C.

Já entre alguns membros do governo, é corrente o discurso celebratório de que o brasileiro passou a consumir mais requeijão, aparelhos da linha branca, automóveis e agora bens imóveis. O que também deveria ser dito é que corremos o risco de passar da atual fase de superação de desigualdades socioeconômicas históricas para uma etapa de turbocapitalismo global, ou consumo intensificado, sem nos darmos conta, uma vez que, os riscos do desenvolvimento econômico cego vão além dos problemas de saúde pública. Como exemplo concreto recente, vale mencionar a emergência de sérias ameaças ecológicas em nível global, como o recente vazamento de óleo ocorrido no Golfo do México.

Não se trata de dizer que os novos (e maus) hábitos alimentares são fruto exclusivo de um processo de colonização cultural, mas sim questionar a nossa atual relação com os meios de produção e seus objetos técnicos, que acabam por condicionar um estilo de vida sedentário e ansioso, bem como sua estética corporal de barrigas flácidas, colunas encurvadas e ombros tensos.

Portanto, em termos culturais, de saúde pública e segurança alimentar, os recentes dados soam como um alerta a enfatizar não apenas o óbvio -que somos aquilo que comemos-, mas que devemos repensar, até onde a reprodução de um modelo de baseado na ideologia do consumismo poderá nos levar enquanto civilização que se propõe como nova. Até porque, não tardará a hora em que o sistema público de saúde terá que arcar com o impacto financeiro das doenças ocasionadas por essa mudança em nosso padrão alimentar. Ou teremos que esperar pelos novos remédios milagrosos que irão nos salvar – com apenas uma pílula – da nossa própria fome?

Agradecimentos: Fapesb

*Enio Antunes Rezende é professor visitante da UEFS - eniorezende@hotmail.com

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