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04 fevereiro 2019

"O que os Procuradores Federais encontraram nos presídios do Pará, sob intervenção de uma Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) formada por determinação do Ministério da Justiça, é coisa da qual ainda não se tinha tido notícia. Que a tortura seja prática recorrente em prisões brasileiras, até as pedras sabem. Que as próprias condições de encarceramento de uma massa de 800 mil pessoas – formada por jovens miseráveis, pretos, semialfabetizados e encarcerados sem uma só sentença condenatória – amontoadas em espaços lúgubres e obrigadas ao convívio do esgoto e das ratazanas constitua, em si mesmo, experiência muito real de tortura também é algo reconhecido. Que práticas humilhantes de submissão sejam aplicadas sobre presos que se amotinaram ou que desrespeitaram as normas da execução penal ocorram, notadamente quando pelotões de choque adentram as sucursais do inferno, é algo também documentado. O que ainda não tínhamos visto é uma Força Tarefa se encarregar de pregar os pés de presos ou de empalá-los com canos de espingardas. Ainda não tínhamos notícias de demônios reunidos nos espaços obscuros da impunidade, cobertos com máscaras ninja, se divertindo ao obrigar detentos a permanecer por dias a fio sentados no pátio, sem comida e sem autorização para se levantar, de modo a obrigá-los a conviver sobre seus próprios excrementos. Entre os abusos encontrados por 17 procuradores da República se sabe que agentes públicos deram ordens para que presos se beijassem e para que detentas se sentassem em formigueiros.

Em Ananindeua, os bravos agentes da FTIP abordam as presas com spray de pimenta, obrigando-as a permanecer nuas, sob supervisão de disciplinadores homens. Foram chamadas de “vagabundas” e “porcas” pelos representantes do Estado Democrático de Direito que também lhes espancaram com cassetetes e sessões de choque. Várias cospem sangue e apresentam hematomas pelo corpo, segundo os depoimentos de representantes da OAB do Pará. Corajosos os agentes da Força Tarefa que produzem gritos de horror entre mulheres nuas e presos idosos. Todos e todas devem prestar homenagens aos demônios afirmando aos brados que quem manda no local “É a Força”! Tapuru é o nome que, no Pará, se dá para o cupim. Os presos o conhecem; não da madeira, mas da comida que lhes é servida com larvas do inseto, misturada com penas de galinha, pedaços de frango cru e camisinhas. A pedagogia do horror é conhecida desde os campos de concentração nazista. É preciso desumanizar o preso ao ponto de que tudo aquilo que a ele nos vincule seja eliminado e que reste, do humano, apenas o animal que nos antecede, sem nome próprio, sem cabelo, sem higiene, capaz de comer qualquer resto para não morrer, capaz de se submeter para não ser massacrado. A presença da FTIP no Pará, aliás, fez com que um dos agentes penitenciários locais declarasse: “Parece que fizeram uma seleção de psicopatas”.

Depois do banho de sangue na prisão de Altamira, produzida pela disputa entre facções, em 29 de julho, Sérgio Moro formou a FTIP, seguindo o tipo de mentalidade burocrática e autoritária da qual o Estado brasileiro está repleto. Há disputas entre facções nos presídios? Há assassinatos e outras violações praticadas por presos em guerra? Então que a disciplina seja imposta, da forma como os burocratas imaginam que a disciplina deva ser imposta: mediante a violência. Que o quadro de violência prisional seja o resultado mais que previsível do encarceramento em massa, alimentado por todos os governos que já tivemos, disso não se cogita. Assim, se o Pará tem 80% a mais de detentos do que o máximo que se poderia admitir, isso não importa. Se os presos provisórios são 43,1% no Estado, tanto faz. Se amontoar gente assim, sonegando-lhes tudo aquilo que a Lei determina, é o caminho mais efetivo para contratar violência futura e fortalecer facções, não se quer nem saber.

A resposta do Estado, quando há uma resposta, é sempre a mesma: ordem! Assim, os “rebelados”, “bandidos de toda grei”, “bárbaros negros, cafuzos, bugres e índios” provarão do próprio remédio. A malta, pensam efetivamente os engravatados e seus “conjes”, só compreende as baionetas. Metemos a FTIP lá, então. Nada como uma sigla para um burocrata e se, por trás dela, há funcionários fascistas, escolados no trato com a “escória”, remunerados pelo distinto público para expressar, na prática, sua admiração por bandidos como Ustra, tanto melhor. Não lhes faltam exemplos, afinal. O mais ilustre vem de cima. E se o Brasil não possui um presidente da República, como não possui, mas o presidente de uma facção de extrema direita (no sentido de que representa e lidera uma parte, um grupo de celerados ideológicos e não um povo), então os amigos de Ustra sentem-se em casa.

Falando no mortífero, o que declarou diante dos questionamentos dos jornalistas sobre o Pará? “- Besteiras, só perguntam besteiras”. E seu ministro da Justiça o que disse? Que não reconhece a “tortura generalizada”. Na nota conjunta com o DEPEN, Moro destacou ainda a posição do Ministério Público do Pará, que diverge dos procuradores na esfera federal, porque “a presença dos agentes federais de segurança proporcionou o restabelecimento do controle, pelo Estado, no âmbito dos presídios”. Sim, claro. Com exceção de uma revolta em 1943, nunca faltou controle, pelo Estado, em Treblinka. Tampouco faltaram, na Alemanha submersa no horror, operadores do Direito para chancelar a ordem do extermínio.

Marcos Rolim.
Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016).

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