Humana é a condição que emerge na cabeça, ao me deparar com falhas
de projeto, falhas de todos os tipos, erros e vacilo. Ser humano está sujeito a
euforias, ódios, desolação, frustrações, traumas, delírios, ambições, ansiedade,
devoção. Mas ser humano é também, não raro, surpreender, superar, transformar,
fazer possível o que parece impraticável, rir do trágico, provocar revolução,
mudar de opinião, ensinar e aprender, ter habilidade, inventar e mentir,
deturpar, matar e sobreviver.
Reconhecer a presença do humano em tudo que nos chega ao
longo do nosso caminho, permite-nos uma série de ferramentas para se tornar
alguém mais agradável. Um filósofo falou certa vez que nenhuma teoria é
importante o bastante se você não conseguir explicar claramente para sua avó.
Minha avó nunca me falou o que há em comum entre o “humano”, o “humilde”, o “húmus”
e a “humilhação”, e que além do “h”, vejo muito mais semelhança no significado
dessas palavras.
A pessoa humana pode ser comparada a uma casa com porta de
entrada, poste de energia, tubulações, redes de conexões, sistema de esgoto, alarmes,
ventilação, aquecimento, área de lazer, rota
de incêndio. A pergunta que me faço: Será se sou uma casa confortável para mim?
Vejo a casa que me tornei e sinto como o mundo foi contribuindo
para reconstrução dos cómodos e adaptações de defesa, ao longo dos meus 40 e
poucos anos. Tenho um porão bem denso, onde ninguém deve visitar, nele há uma
caixa de concreto, no qual guardei um livro, e dentro dele moram seres
mitológicos carregados, capazes de devorar todos os móveis e paredes da casa.
Na parte superior, há uma linda janela, uma escada para o sótão,
onde guardo projetos incompletos, alguns parados outros a espera de luz. Do teto
do sótão, puxamos uma escada de madeira empoeirada que remata numa porta
fechada desde que a casa foi erguida, nunca sei o que pode chegar por meio dela
ou que acontece se eu ultrapassar seu limiar.
Talvez se colocar
alguns móveis, tapetes, quadros e cortinas novos. Se mudar a cor das paredes ou
convidar algum profissional de decoração, mude um pouco o aspecto envelhecido,
o estilo lúgubre, o conservadorismo das luminárias, as estátuas e coizinhas que
me trazem pessoas que já não deviam estar mais morando nas lembranças da casa,
as medalhas e troféus, os certificados e placas de reconhecimento.
Mas minha casa é diferente, o jardim entra pela cozinha, as
rosas e os gerânio enchem os recintos de cor e alegrias. O pomar recria cada
estação do ano e no meu quarto a chuva respinga no meu rosto suavemente
enquanto ouço o vento no coqueiro e as gotas caírem como que tocando xilofone, marimba,
balafon no telhado. Tem horta, minhocas e animais de estimação. Ainda rãs, grilos,
galinhas, pintos e um galinho que canta a cada três horas.
Eu me sinto bem na minha casa. Não troco minha solidão por
nada que não seja pelo menos metade da felicidade que sinto em estar sozinho.
Parafraseando um gerente de restaurante de Itapoan, ao ser
entrevistado sobre o que ele faz para fidelizar seus clientes. “Se me tratar
bem pode vim que será muito bem recebido”. Aprendi como uma pessoa bem educada
que devemos ter critérios para deixar as pessoas entrarem em nossa casa. Umas a
gente recebe no hall de entrada, outras são convidadas a sala e muito raras a
que a gente leva para o quarto. Como dizia Raul: “Por que que a sala fica
sempre arrumada. Se ela passa o dia inteiro fechada?”.
O fogão é onde preparamos o alimento e na China representa a
prosperidade. Cuide para que a luz e o vento penetrem as entranhas do seu lar.
Deixe as portas escancaradas e caminhe nu pelo corredor. Os mestres chineses
dizem que o ser humano chegou a um grau mais elevado espiritualmente quando ele
se comporta da mesma forma, ou seja, não muda o estado de lucidez e
autenticidade estando só ou acompanhado.
Ou seja não tem como se tornar alguém melhor para os outros
se você não cuidar do tornar-se melhor para você mesmo. Há casas que guardam um
espaço sagrado. Encontre um canto tranqüilo, pode ser na floresta, no rio, num
penhasco, numa árvore, onde achar melhor e construa seu altar astral um lugar
para alcançar o mais sutil de sua existência, para receber a lucidez da vida,
para entender que o humano pode ir muito além dos erros e acertos.
Pode muito mais.